sábado, abril 24, 2010


Um Dia, Passa

Eu me arrumava no meu quarto quando minha irmã me chamou. Estranhei. Afinal, não esperava absolutamente ninguém. Desci as escadas uma a uma, contando-as sempre como fazia desde criança, até chegar ao final sem saber o pesadelo que me esperava.Alguém aguardava a minha chegada em frente a minha casa. De início não reconheci, mas quando cheguei mais e mais perto, gelei, CONgelei. Parei ali mesmo onde eu estava, cara a cara, olho no olho com a pior – ou melhor – coisa que já havia me acontecido. Eu definitivamente não sabia o que fazer, suava frio, não estava preparada para aquilo. Ele, logo ele, ali, na minha porta. Porque é que ele estava ali? Qual era a sua intenção? Me atormentar? Trazer de volta todo aquele pesadelo, aquela parte sombria da minha vida, à tona?Ele tinha um sorriso malicioso na boca, e eu não definia se era pelo meu espanto ou pela realização dele naquele momento, mas eu sabia que ia enlouquecer se continuasse encarando-o, olhando fixamente para aqueles olhos desconcertantes que haviam me prendido em um mar de tristezas sem fim.Para o meu espanto ele veio se chegando, aproximando-se cada vez mais e me dei por conta que, mesmo querendo, eu não me movia, eu não tinha reação alguma. Eu não podia deixar aquilo acontecer, não agora. Depois de tanto tempo, eu estava recuperada de tudo, não curada, só recuperada. Não era como se aquela dor tivesse saído do meu peito, como se aquela ferida tivesse curado, era como se ela nunca tivesse existido. Tinha tirado do centro das minhas atenções aquela sensação de mal-estar que me sucumbia, que me devorava por dentro.Quando fui deixada por ele, me perdi. Não vivia mais. Tudo o que eu fazia, por meses, era em função dele, pro seu bem, pra sua vida, não pra minha. Deixei de ser eu, perdoei coisas imperdoáveis porque estava cega, ou porque realmente não queria enxergá-las.Quando me dei por conta, ele estava junto de mim, me engolia com os olhos, as nossas bocas quase se encostavam e eu estava permitindo. Seu cheiro me desnorteava. Aquele cheiro que, agora me enjoava, já havia me protegido em dias frios, quando a nostalgia fazia questão de me abraçar. Aquele cheiro ficara impregnado em mim, e eu havia feito de tudo um pouco para tirá-lo. Era quase impossível resistir. Quase.Eu gritei. Gritei como se minha vida dependesse só daquilo. Gritei, rompi o véu dos sonhos, gritei como se estivesse morrendo, e na verdade, eu estava.Morrendo nos braços dele, por ele. Rezei. Era a única opção que restava. Nunca acreditei que aquilo pudesse ajudar, mas não havia outra maneira. Rezei para nunca mais acordar, ou para acordar logo, rezei por um motivo que eu desconhecia, mas rezei. E, como eu tinha previsto, de nada adiantou. Quando abri os olhos, ele ainda me olhava da mesma maneira, tentando ler a mim, e seus braços ainda envolviam minha cintura tão severamente que parecia uma jaula, da onde eu sabia que jamais iria sair.Eu me debatia, enquanto todas as lembranças, todos os momentos, todas as risadas, os beijos, as brigas, enquanto tudo passava em minha cabeça como um filme nostálgico aterrorizante. Eu o olhava de relance e o seu jeito de me olhar ainda era o mesmo, intacto. Me dei conta que sua expressão não havia mudado e a última imagem de nós dois, de uma dupla que nunca existiu, chegou até a minha memória. O mesmo sorriso, o mesmo olhar, a mesma malícia. Um beijo, o último. A morte unida à vida, a minha vida se esvaindo através dos seus lábios doce transbordando veneno. Não podia ser.Acordei assustada, ainda o sentia colado, grudado no meu corpo. Ainda sentia os seus braços, os seus lábios, as vertigens. Tinha sido só um sonho. Um terrível sonho. Mas ia passar, tinha que passar, ia passar.
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