quinta-feira, março 31, 2011


Eu nunca disse isso

- Onde tu vai?
- Ãhn?
- Que horas são? Onde tu tá indo?
- São 4:45. Volta a dormir. Eu não consigo.
Fui para a sacada. Não havia nenhum sinal de sol ou qualquer barulho que anunciasse a manhã, mas ali era um bom lugar para pensar.
Procurei um motivo para não estar do mesmo jeito, para não conseguir dormir do lado do homem que eu, até agora, amava. O frio estava cortante. Puxei o cabelo para o rosto tentando cobrir as minhas orelhas. Credo! Que cabelo era aquele? Minhas unhas estavam pela metade, a cutícula por fazer e dois dedos de raiz na minha cabeça. Quem é essa? Onde eu estive esse tempo todo?
Entrei em casa e não olhei para nenhum espelho. Definitivamente, não queria ver quem eu havia me tornado. O que eu sabia era que estava prestes a terminar com isso.
Dei fim ao casamento, parti a casa ao meio, quebrei porta-retratos e joguei nossa aliança na cara dele. Os presentes, o sofá, os outros móveis, tudo foi repartido. Mas foi ele quem saiu do apartamento. De carro.
Ele perguntou o motivo, disse que nós estávamos indo tão bem, que o sexo era incrível, que eu era perfeita em tudo o que fazia, que morávamos bem, vivíamos no luxo e blábláblá.
Eu só disse que não confiava em mais ninguém.
Algum tempo depois nos encontramos no calçadão. Eu com meu cachorro novo e ele com uma namorada nova à tiracolo.
- Achei que tu não confiava em mais ninguém.
Toquei no meu novo cabelo ruivo e bem cuidado, minhas unhas estavam lindas, meu corpo três quilos mais magros. Eu estava feliz. Comigo e com o resto.
- Quem? Eu? Eu nunca disse isso.
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Tu não estava lá

Sonhei que te perdi. Te deixei longe, para trás. Segui em frente, ergui a cabeça. Nesse sonho eu era feliz e tu não estava por perto. Eu podia pensar em mim, podia acordar sem ninguém do meu lado, podia não ver ninguém quando chegava em casa. Eu consegui sorrir e tu não estava lá. E então, eu acordei. Tu continuava não estando lá, mas eu não consegui sorrir. Merda, foi só um sonho.
Peguei um pote de sorvete e lenços de papel. Fui para a sala chorar com a tua foto e falta.
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terça-feira, março 29, 2011


Me chame sua

Os outros costumam nos chamar de fracas. Fracas por que, meu Deus? Por amar demais? Pela dedicação para com os outros? Por acreditarmos realmente que sonhos podem, sim, se tornar realidade? Coitados.
Aguentamos as dores do mundo nas costas. Somos culpadas pelo mal da humanidade, chamam-nos de pecado, de luxúria, de vaidade, de vulgaridade. E quem nos chama pelo nosso real nome? Ninguém.
Somos boas, mas não somos anjas nem donas da verdade. Fazemos coisas erradas o tempo todo, tal como o nosso sexo oposto. A diferença é que sabemos perdoar, acreditar e aceitar. Somos seres humanos, mas esse não é o nosso nome.
Também somos paixão. Somos o vermelho. Somos escândalo, perfumes, sapatos, roupas, lojas, dinheiro. Somos Monroe, Bardot, Jolie. "Mulher é desdobrável. Eu sou." Mas não sabem pronunciar o nosso nome.
Acariciam nosso rosto, nos levam para a cama, acordam do nosso lado, nos dão flores, nos traem, usam, largam, machucam, arrancam lágrimas, e nem desse jeito dizem o nosso nome.
Gente rude, dura, que não sabe dar valor e, ainda assim, nos tem aos seus pés.
Por favor, me chame mulher. Me chame sua.
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